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Lidando com a variabilidade da demanda

Reduzir estoque é bom, mas e quando a demanda aumenta?

Postado por Hércules Dantas em 19/04/2021 Tempo de leitura: 4 minutos

Os três mosqueteiros vs variabilidade da demanda

Um grande terror de qualquer um que precise lidar com planejamento da produção é a variabilidade da demanda. Ela faz com que seja necessário adicionar horas extras que não estavam no orçamento, transferências urgentes entre centros de distribuição e tantos outros malabarismos que quem trabalha com isso com certeza terá histórias para contar. Um dos primeiros exemplos do uso de previsão de demanda para apoio de tomada de decisão foi nos anos 60, período em que a Shell desenvolveu seus primeiros "Shell Scenarios", que conseguiu minimizar os efeitos da grande crise do petróleo dos anos 70 para a empresa.

Desde então, a capacidade computacional evoluiu drasticamente, e métodos de previsão muito mais sofisticados se tornaram possíveis, o que nos permitiu sonhar que poderíamos nos tornar senhores do futuro, e ter a certeza de qualquer evento antes que ele pudesse acontecer. Infelizmente isso ainda é apenas um sonho e os responsáveis pela produção continuam tendo que lidar com as surpresas do dia a dia.

Em um artigo muito interessante de Hopp e Spearman (2004) (link do artigo), que fala sobre a definição de produção puxada, é apresentada um conceito muito interessante de que há apenas três pulmões responsáveis por absorver a variabilidade da demanda:

  • Estoque
  • Capacidade
  • Tempo

Além disso, o artigo dá a entender que se houver qualquer ação em um desses três pulmões, as variações de demanda impactarão os outros dois mais fortemente. Por exemplo, é muito comum, devido à influência da filosofia de Produção Enxuta haver ações para reduzir estoques. No entanto, também é muito comum que mesmo com a redução do estoque, a empresa continue operando sem capacidade ociosa. Assim, as variações de demanda que antes eram absorvidas pelo estoque inflado, não poderão ser absorvidas por uma capacidade ociosa existente, pois a empresa já está operando próximo ao seu limite. Sendo assim, resta ao tempo ser o responsável por absorver os picos de demanda, o que é traduzido em entregas atrasadas e impacto ao cliente.

Então como a Toyota conseguiu reduzir o estoque sem afetar os outros elementos?

A resposta é que ela não conseguiu. Como os autores do artigo explicam, uma das ações mais revolucionárias da Toyota foi trocar o pulmão do estoque pelo da capacidade. Em uma época que o padrão da indústria automobilística era utilizar três turnos para produção, eles utilizavam dois turnos de 10 horas com um intervalo de 2 horas entre eles para manutenção preventiva. Note que esses períodos de manutenção também poderiam ser utilizados para produção em caráter emergencial.

Outro exemplo semelhante é a Zara: Muitas de suas fábricas operam em turnos sistema de turnos únicos para que haja capacidade ociosa, e consequentemente, seja possível absorver variações na demanda sem precisar manter grandes estoques (Slack et. al., 2009)

Considerações finais

Após a eliminação dos desperdícios óbvios da produção, antes de começar as ações para atacar o estoque e reduzi-lo, é importante ter consciência de que ou haverá a necessidade de criar capacidade ociosa, ou lidar com o risco de precisar de um prazo maior para entregar o serviço.

Bônus (Provocação): Como usar a transformação digital para acabar com essa regra?

É muito comum empresas ver empresas adotando ações de transformação digital apenas para seguir a tendência de mercado. No entanto, mais importante do que ter sensores em todas as máquinas, ou levar todos os seus bancos de dados para nuvem, é entender qual o objetivo de tudo isso. Segundo um livro muito bom sobre o tema, Leading Digital, é importante enxergar a transformação digital como uma forma de eliminar as restrições do negócio. Dessa forma, essa pode uma ótima provocação: "Como diminuir estoque, sem impactar a capacidade ou o tempo utilizando as novas tecnologias existentes?"

Bibliografia

HOPP, Wallace J.; SPEARMAN, Mark L. To pull or not to pull: what is the question?. Manufacturing & service operations management, v. 6, n. 2, p. 133-148, 2004.

SLACK, Nigel et al. Administração da produção. São Paulo: Atlas, 2009.

WESTERMAN, George; BONNET, Didier; MCAFEE, Andrew. Leading digital: Turning technology into business transformation. Harvard Business Press, 2014.

40 Years of Shell Scenarios. Shell. Acesso em 18/04/2021


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